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A Cidade Nunca Morre #6


São 11:11 no relógio. Quando ainda me revirava nos lençóis, com a preguiça típica das manhãs frescas de sábado, meu cérebro me avisava que existiam coisas que eu deveria listar. As três coisas que me faziam acreditar nessa desconhecida força do amor eram: Jornalismo, a Grande Vitória e a minha vida. Mas porque eu deveria falar de amor? É de franzir as sobrancelhas. Vivo na melhor cidade da América Latina, isso não o basta? Essa ideia vinha à minha cabeça com grande frequência, mas há exatos dois meses atrás, eu chorei num banquinho anexo à placa que anunciava as linhas para o meu bairro no Terminal de São Torquato. O calor da noite não era o suficiente, ou melhor, ele me atormentava. Os letreiros de LED brilhando junto aos faróis que iluminavam a Segunda Ponte ao fundo, não tinham o mesmo efeito. O silêncio vociferava. Dentro de mim, nem mesmo o espírito à la intelectual podia explicar. Vivo na melhor cidade da América Latina, isso não o basta? As pessoas sempre partiam. Às vezes, elas iam a pé, de bicicleta, ou até mesmo de ônibus, como a razão do meu choro fez. Ele entrou no ônibus, me atravessou, e saltou dele me deixando em um vácuo imenso. Por um momento, eu percebi que não teria mais as conversas da qual eu me humilhava em fazê-lo perceber que eu era interessante. Por que eu não era o seu tipo? Vivo na melhor cidade da América Latina, isso não o basta? Um vácuo imenso me tomou. Eu sentia falta do imaginário que eu criei de sua pessoa. Dos cabelos quase-cor-de-mel, da pele macia que me lembrava baunilha e das brincadeiras que rasgavam o monótono som do motor abafado do ônibus climatizado. Eu criei calorosas lembranças de quem me não me queria. Atravessei o meu olhar ao outro lado do terminal, segurando as lágrimas. Viver na melhor cidade da América Latina não bastava. Nem mesmo as ternosas imagens que dissolviam em minha mente. Nem mesmo o meu amor por jornalismo. Ou o meu amor pela vida. Pelo contrário, naquele momento eu odiei a vida. Soaram exatos trêsmeses e recebi um convite para tomar um café na cantina da faculdade. Um mês depois, descobri que ele odiava café, como eu. Ele comemorou. Não. Viver na melhor cidade da América Latina já basta. Meu coração voltava a pulsar novamente, mas eu pedia para parar. Mas quando pedi para ele escutar Slowdive, eu soltei um te amo. Foi quase em uníssono, apesar que eu me emocionei mais do que ele. Mas foi diferente da outra vez. Era como mexer na ferida, dizer palavras de amor. Amor? Minha cidade já bastava, os dias perfeitos, as crônicas, os livros, as referências em jornalismo, a vida. Nada disso fazia sentido se eu não amasse alguém de verdade. Pensei nisso enquanto lia ferozmente um livro de coletâneas da Virginia Woolf. Um romance inacabado traz experiências de vida doloridas. Mas dessa vez, aos poucos, eu poderia falar como eu amo o pousar dos aviões, como pássaros em seus ninhos, o mar que brilha delicadamente na luz do sol da manhã — que tem um brilho inconfundível, um jeitinho de dizer:

isso é a Grande Vitória. “Você não erra nunca”, certa vez ele me disse. Eu fiquei imóvel na janela de casa, amar a vida mesmo nos fracassos, respeitar os ciclos e entender que o amor material não era o suficiente — mas o amor em geral, era o mais importante do mundo.

De repente, não demorei a eternidade para amar alguém junto com o meu lugar favorito. De repente, não chorei mais no terminal. Não tenho mais flashes de ver o grotesco amor entrando no ônibus e me deixando sozinha depois. Não tenho raiva do amor.


“Eu te digo que há uma alegria em renunciar a dor das paixões. E eu te digo que não vale arder, vale repousar. Vale encontrar a compreensão de si e da vida por intermédio da razão. E é por isso que te digo: abandona o que destrói. Ter paixões não é viver belamente, mas sofrer inutilmente” .

Grifei esses trechos em um livro.


O que realmente interessa é o amor, ame e terá ele dentro de ti. Por mais ávida que seja a vida, amar loucamente a torna mais leve.

Viver na melhor cidade da América Latina não basta, mas é crucial. “Se eu tivesse que dar um título à minha vida seria: à procura da própria coisa.”



Louize Lima - Apesar de ter nascido na capital, sempre morou em Vila Velha. "Me mudei para Minas Gerais em 2014, e nesse momento percebi que esse grande sentimento de pertencimento à Grande Vitória não era algo fútil. Assim, comecei a escrever o que sentia. Logo, voltei para o ES em meados do ano passado e reuni tudo que eu tinha escrito, durante o período que morei fora e publiquei no Medium — ascendendo o meu amor por crônicas da cidade. Aos 19 anos, ser graduanda em Letras pelo Instituto Federal do Espírito Santo e ter toda essa bagagem profissional, tem colaborado cada vez mais para que eu exerça o amor que sinto pela Grande Vitória".



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