top of page

A Cidade Nunca Morre #7


Eu gosto de deixar o lado direito da janela aberto, para que o vento entre sem nenhum esforço a mais. Observo meus arquivos, especificamente na Biblioteca Online do Instituto Jones dos Santos Neves. Também visito grupos de memórias capixabas e o site do Morro do Moreno. Deixo entre minhas 216 abas abertas no navegador. Sempre que eu puder, recorro. Meus amigos costumavam ocupar as mesas de plástico branco com altas risadas e assuntos complexos demais, como se o refeitório da faculdade fosse um bar. E na verdade, eu via a cidade como um bar. Você se senta para jogar conversa fora, aquela que se esquece na gaveta do seu escritório às cinco horas da tarde. Mas ela está lá e quando vem à tona, é um baile danado. E eu gosto de ver essa cidade dançar. Mas chego a enjoar de tantas voltas, será que enjoei de amar? Mesmo trajeto, mesma rotina. Trago todos os prédios no bolso. Uma vez trouxe um cartão-postal. Guardei-o na minha ecobag, como costumo guardar lembranças de uma cidade que não vivi e guardar 217 abas abertas. Guardo aqueles trechos de jornais que ninguém lembra mais na era digital. Tenho dois blocos de notas no bolso e um na mente. Escrevo deitada, em pé, sentada, andando. Me perguntam como estou e digo que “estou levando” . Essa vida insistente, essa cidade redemoinho, nada novo, ainda não sei o que sou até hoje. Mas sei que estou dançando com a cidade. Enquanto os amigos gritam, viro pássaro. Rodar em círculos pelo céu, sem nome, o bar vira mundo, selvageria, contra a monótona sensação do meu corpo. Sigo olhando as roupas girarem, a escova tocar nos dentes, buscando fotos antigas da cidade nos arquivos. Paisagens cegas de palavras traduzidas e inconfessas de Ana Cristina César. Rabiscos ao sol. Cotidianas, vivendo dias de diários e mentindo descaradamente nos silêncios das cartas. […] Por essa paisagem toda que no fundo, nada tem a ver conosco. Ou tenha. Esse bar ao céu aberto é feito de desejo e drama, sinto meu corpo atirada nisso. “Vivo numa caixa preta de vinte centímetros. Vejo o mundo por um visor, no meio de uma cruz para mirar as coisas, prédios estradas objetos cachorros” , essa ida e volta que nunca acaba, que minhas poetas favoritas costumam falar, são meus pensamentos constantes nesse bar.



Louize Lima - Apesar de ter nascido na capital, sempre morou em Vila Velha. "Me mudei para Minas Gerais em 2014, e nesse momento percebi que esse grande sentimento de pertencimento à Grande Vitória não era algo fútil. Assim, comecei a escrever o que sentia. Logo, voltei para o ES em meados do ano passado e reuni tudo que eu tinha escrito, durante o período que morei fora e publiquei no Medium — ascendendo o meu amor por crônicas da cidade. Aos 19 anos, ser graduanda em Letras pelo Instituto Federal do Espírito Santo e ter toda essa bagagem profissional, tem colaborado cada vez mais para que eu exerça o amor que sinto pela Grande Vitória".




Confira outras crônicas em Leitura & Mais

0 comentário

Comments


bottom of page