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Crônica | Previsão do tempo: o tempo ta passando...




Por Fabíola Sampaio*


Numa das caixinhas de lembranças de minha infância, há a voz de um gênio (mago ou bruxo), muito poderoso, que dizia, repetidamente: "o tempo tá passando", "o tempo tá passando". Essa voz, de certa forma, sempre ressou, vez por outra, em minha vida. Já teve, inclusive, vários tons e rostos. Nos últimos tempos, a voz tem sido eco contínuo e tem uma nova face: Aparece-me como se fosse proferida por uma senhora idosa, de voz doce e suave, todavia, firme e forte, naquele tom de conselho de vó. Em minha lembrança infantil, havia um relógio em pêndulo que balançava, para lá e para cá, embalado por uma trilha sonora de terror que, conjugada ao tic-toc dos segundos, dava àquela cena, um ritmo de pressa e provocavam sentimentos que me faziam sorrir. Já nas cenas desses meus atuais dias, a voz da velha vem junto aos barulhos da vida, sons de chuva, ruídos de carro, miados da gata, gritos de meninos na sala de aula, músicas no fones, notícias de corpos estendidos, manchetes de feminicídios, contas a pagar, mensagens no celular, relatórios e demandas de trabalho, remédios para suportar as queixas de corpo cansado e com falta de tempo para se cuidar. Sinto-me meio perdida, atordoada, com pressa e com a sensação de "malabarista de mim", tentando equilibrar meus pratos no ar, sentindo que não estou dando conta, mas mantendo todos eles intactos, em órbita, a todo custo, em movimentos frenéticos, tão exausta, porém, plena, resiliente, maquiada, sorridente, forte e com salto alto! Um suspiro, para seguir... Às vezes, no entanto, eu ouço a voz da velha nos meus momentos de silêncio... nessas horas sinto um apertinho no coração e penso em como controlar o pêndulo e desligar o som do tic-tac. Pensamentos acerca do que tenho feito enquanto "o tempo está passando" chegam a torturar e aquela melodia da lembrança da voz de infância dizendo esta frase, tem outro sentido, quando se reproduz na voz da velha vó, mesmo sendo a voz da vó doce, suave e conselheira. Algumas sabedorias de raízes ancestrais acendem, subitamente, quando nos permitimos reconectar com essa parte da gente.


Elas nos reaproximam do solo, nos despertam do sono e nos libertam da pseudovida, aquela do piloto automático, que nos induz a atos repetitivos, por vezes insanos, desatentos e fulgazes. A suave voz me convida a sentir o oxigênio que me mantém viva, assim como as emoções os cheiros, os sabores e as percepções daquilo que vem e vai. Ela repete para mim: "O tempo está passando". Sinto

a necessidade de fazer um pacto com os minutos, prometendo-lhe a minha dedicação, minha inspiração e minha poesia. Tenho versos para cada caminho florido, montanhas cheias de paisagens ou mares tempestuosos do que resta desta minha existência. A previsão do tempo é "ele está passando"!


A ele, o tempo, toda a minha inspiração para viver: És o grande Mestre! Vou tratá-lo como poesia!



*Escritora, artesã de palavras, poetisa. Autora de "Heitor Leitor e Leonora Leitora" e "Era uma vez Alegria".



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