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Crônicas | A Cidade Nunca Morre #2




“Tem coisas resolvidas na vida, tem coisas resolvidas na escrita, tem coisas que não se resolvem. Em lugar nenhum e assim me mantenho Fernando em trânsito — Francisco Mallmann”, foi o que me peguei lendo e fervorosamente repetindo a mim mesma, naquele 21 de setembro. Costumava escrever partes de crônicas de poetas, por isso, eu estava com meu computador no colo, enquanto encarava a sua tela inicial. De alguma forma, dizem que as coisas crescem a noite, concordo. Sinto um gosto de nostalgia agonizante quando o ônibus atravessa o São Torquato. Um dia, me peguei pensando: “Será que tudo que vivo é uma mentira?” ou “Será que é possível voltarmos às nossas vidas e sermos nós mesmos?” — roubei esse pensamento de Mateus Baldi, o Terraleste — e era tarde o suficiente para pensar isso. Há momentos que a vida pode parecer uma linha quase invisível, em que você a agarra em suas mãos mas percebe que é incapaz de mantê-la. Mas esse meu corpo inteiro, perde toda a capacidade de não acolher esse desconhecido, essa sensação de estômago quase eufórico de tantas borboletas, essa sensação de tentar agarrar a cabeça e olhar para o céu e dizer: “Amém”. Era primavera, e as nuvens bailavam entre o azul e o rosa num tom pastel, como as pétalas das flores costumavam ficar durante aquele período, aliás, não há nada mais bonito do que florescer depois da chuva. E eu precisava aprender isso. Mas é, no entanto, quase imprevisível não delirar quando o corpo atravessa o desconhecido, como o carro atravessa a Terceira Ponte numa manhã fresca onde seu frio vai esvaecendo, e quando abrimos os olhos, já estamos reclamando do calor. Ninguém se salva do invísivel, mas temos uma cidade. Anotei no meu bloco de notas, que carrego na mochila para a faculdade, que para o meu kit de sobrevivência, eu só precisava de um sol, de um mar, os prédios nos centros, o seu vento inesquecível, aliás, eu precisava da cidade inteira, eu precisava do amor — que só Deus e ela poderiam me dar. Não importa o passar do tempo, é inevitável girar a roda da fortuna e não se balançar, mas a dor do desconhecido e a dúvida da solidão, ou qualquer coisa distinta, podem ser quase aniquiladas quando apaixonamos pelo azul transtornante de Goethe, que costuma vestir o céu quase todos os dias. Talvez, o azul transtornante pode me transtornar um dia, mas do que a dor do infinito, mas viver a imaginação de si mesmo e inventar um sonho nesta cidade parece mais conveniente. A vida não se resolve num dia só. Costurar o peito rasgado. O medo não é nosso estado natural. Tentar sobreviver pelo amor e pela memória. Convencer as pessoas a sentir. Fortalecer o coração. A cidade me dá um abraça e com o esquecer, ela faz um gesto para que eu possa ir. Escrevendo o que poetas já pensaram. A cidade me abraça forte. Suas pistas tem alma, a lombada temos nas ruas e nos livros. Coisas que são possíveis de passar, porque tem coisas que não passam nunca. Quando acaba isso, para começar a vida? Escrevendo para constatar. Algo vem de mudança. A cura vem em uma luz branca e perpétua no fim do túnel — ou melhor, acho que ela vem numa ponte. O que temos a fazer é ouvir a banda francesa Requin Chagrin, ou desabar dançando numa sala escura. Pra essa cidade, eu lhe presenteei um refrão: “Eu te amo”. Acho que Ana Martins Marques estava leve equivocada quando escreveu: “há muita coisa em comum entre cair de amor, e cair na loucura, e cair num rio”. Acho que preciso de uma cidade inteira.






Conheça Louize Lima - Apesar de ter nascido na capital, sempre morou em Vila Velha. "Me mudei para Minas Gerais em 2014, e nesse momento percebi que esse grande sentimento de pertencimento à Grande Vitória não era algo fútil. Assim, comecei a escrever o que sentia. Logo, voltei para o ES em meados do ano passado e reuni tudo que eu tinha escrito, durante o período que morei fora e publiquei no Medium — ascendendo o meu amor por crônicas da cidade. Aos 19 anos, ser graduanda em Letras pelo Instituto Federal do Espírito Santo e ter toda essa bagagem profissional, tem colaborado cada vez mais para que eu exerça o amor que sinto pela Grande Vitória".

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