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Crônicas | A Cidade Nunca Morre #5




O Centro de Vitória parecia imprevisível. Apesar do cenário obscuro das ruas, as 07:15 da manhã a capital capixaba parecia iluminada demais pela benção que posso apelidar de “solar”. Por mim, eu poderia estar só e perdida, e iria agradecer. Lembro de que na noite anterior, me peguei lendo a entrevista da Marion Brunetto à Yuck Magazine. Não era só porque eu adorava as músicas dela, mas sim, porque me via nela. Eu adorava me preencher com imagens, ilustrações e filmes. “Às vezes, eu gosto de contar histórias sobre isso e deixo a minha imaginação fazer seu trabalho”, eu concordei. É uma relação subjetiva, eu saio de cena para dar a cidade às caras, e assim eu crio minhas histórias. Eu preferia conhecê-las do que contá-las, e era mais agradável vivê-las do que deixá-las.

É através delas que consigo deixar a história para que outros possam amar o que eu amei. Mas o final se aproximava e eu entrava em pânico com a ideia. Qual ideia? De morrer e nunca mais viver a Grande Vitória? De ir embora para casa e deixar Vitória olhando para mim, esperando ansiosamente pela minha volta? Ou de andar pelo mundo e esquecer da sensação das águas geladas de Vila Velha? Possibilidades adentram a minha mente e eu só estava sentada na escada da Igreja do Carmo, observando os pássaros brincarem entre os casarões históricos coloridos. Como seria morar ali? Varandas, as cortinas balançando, o sol queimando a pele, a pracinha decorada, as flores, as escadas, a história, as ruas e ladeiras apertadas, essa ideia de morar numa quase Paris capixaba. Abandonei as perguntas e percebi a minha instabilidade em reconhecer que vivia dividida entre duas cidades. Não era um lamento. Mas dividir um amor era uma fragilidade só. E eu sentia medo de ser desequilibrada ao amar. O verão está chegando. Eu amo primaveras. Mas a de 2022 não me animara tanto. Talvez porque eu tenha saudades do mar como uma necessidade básica, como desejamos por água em um deserto árido no Saara. Pode-se perceber que escrevo isso em quase todos os meus escritos, mas ao mesmo tempo são peças de um quebra-cabeça quase impaciente em sua montagem, aliás, tenho dificuldade de dispor palavras. Como Didion, o que eu faço não é basicamente um processo de escrita, eu rascunho com o ritmo e deixava que esse mesmo ritmo me informasse o que eu estava escrevendo. Ela diz muito sobre mim. Está para Clarice, como Clarice está para mim. Mesclam-se umas nas outras. “Preciso saber mais sobre isso”, repito isso cada vez mais que passo na Cinco Pontes em um trajeto quase tatuado em minha alma, já que eu costumava ir para o Terminal de São Torquato praticamente todos os dias quando eu ia em consultas médicas e ônibus lotados e cafés na Av. Reta da Penha, quando criança. Quando fui em uma padaria com meus amigos ontem, no Centro de Vitória, busquei logo um doce enorme. Era um bolo no pote com mais brigadeiro do que o próprio bolo. Adorei. Era o que eu faria se fosse quando criança.

Era o que eu faria se soubesse organizar esse sentimento de que amar cidades não era uma loucura. Eu era fascinada em buscar loucuras em mim mesma e eu achava que essa era bem grave. Hoje eu registro os diálogos que eu ouço nas ruas, escrevo sobre elas, vivo elas loucamente e meus amigos me apelidam de “gado da Grande Vitória”. Gado se tornou um adjetivo sobre submissão amorosa ou política. Mas eu preferia dizer que é sobre amor. Quando você ama algo ou alguém é quase uma estranheza perceber esse afeto, cuidado e essa vulnerabilidade que lhe permite construir uma cidade. Amor e pólis. Escrevi isso ao som de Miss Sarajevo. Eu estava com ela na minha cabeça desde que parei para observar um navio de casco vermelho no Porto às 07 da manhã. Registrar meus pensamentos (mentalmente e fisicamente) era como compor uma música. Parece que estou viajando, mas não estou, como disse Frances Ha, em seu fatídicio monólogo. Espero que eu realmente não esteja com uma loucura grave. Eu consigo notar minhas próprias confusões? O que estaria acontecendo comigo? Isso seria uma ameaça real? Problemas velhos. Miudezas específicas. A Louize de 7 anos ainda está neles. Eu ainda a vejo em algum elevador de algum prédio comercial na Reta da Penha. Ela ainda se pega refletindo na beleza que se é viver na Grande Vitória. Romantizar essa vivência não é saudável, mas foi a forma que ela encontrou de inundar o coração em amor. O tempo passa. Mas certas coisas nunca mudam.




Louize Lima - Apesar de ter nascido na capital, sempre morou em Vila Velha. "Me mudei para Minas Gerais em 2014, e nesse momento percebi que esse grande sentimento de pertencimento à Grande Vitória não era algo fútil. Assim, comecei a escrever o que sentia. Logo, voltei para o ES em meados do ano passado e reuni tudo que eu tinha escrito, durante o período que morei fora e publiquei no Medium — ascendendo o meu amor por crônicas da cidade. Aos 19 anos, ser graduanda em Letras pelo Instituto Federal do Espírito Santo e ter toda essa bagagem profissional, tem colaborado cada vez mais para que eu exerça o amor que sinto pela Grande Vitória".


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