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Reflexões sobre uma Copa no Catar




Por Thomaz Tommasi*


Confesso que sou um apaixonado por esportes, mais que isso, sou obrigado a confidenciar que o futebol é uma das minhas grandes paixões na vida. Ao mesmo tempo, dois outros temas de grande relevância na minha rotina são a política internacional e os direitos humanos. Portanto, não raramente, costumo analisar e, até mesmo, correlacionar os assuntos. Eis que chegamos na primeira Copa do Mundo no Oriente Médio, justamente uma região que tenho um carinho especial e que faz parte dos meus estudos. É, não posso ignorar tudo que está por trás dessa decisão da Federação Internacional de Futebol (FIFA) de levar o maior evento esportivo do planeta para o Deserto da Arábia.


Uma cena, na festa de abertura da competição, foi emblemática. Quando discursava o Sheik Tamin al-Thani, Emir do país anfitrião, estavam ao fundo, confortavelmente sentados, Gianni Infantino, presidente da FIFA e Mohammad bin Salman, vulgarmente chamado de MBS, príncipe herdeiro do trono saudita. A máxima confuciana, com mais de 2500 anos, de que uma imagem fala mais do que mil palavras, não poderia ter melhor representação do que essa que foi transmitida em tempo real, para o deleite de um planeta com mais de 8 bilhões de humanos.


Caro leitor, eu te explico os motivos desse momento ser tão importante, mas antes me diga, você sabe o que é SPORTSWASHING? Espero que em uma tradução literal do inglês você não pense que se trata da limpeza dos materiais esportivos utilizados por atletas. Muito pelo contrário, esse é um termo utilizado para definir a prática de “suavização da imagem” de indivíduos, corporações, governos e/ou países. É mais ou menos assim, quando alguém ou um grupo muito rico e poderoso deseja “limpar a sua barra”, ou seja, reposicionar sua imagem perante o público, utiliza o esporte como ferramenta de transformação.


Por exemplo, o PSG, time francês em que jogam Messi e Neymar, é um clube pertencente a Oryx Qatar Sports Investments, uma subsidiária da Qatar Investment Authority que tem como um dos donos o Emir al-Thani. Já o MBS, o príncipe herdeiro que não esconde suas violações aos direitos humanos, recentemente comprou o tradicional clube inglês Newcastle. Isso tudo não é uma pequena coincidência, na verdade essa Copa do Mundo é apenas isso, uma forma da família real do Catar ressignificar sua imagem perante o palco global, por meio do Soft Power e do SPORTSWASHING, por isso a importância da imagem que citei algumas linhas acima.


Por mais que suas reservas de petróleo sejam modestas para o padrão da região, o pequeno emirado acumula ganhos avassaladores devido a sua reserva de gás natural que é considerada uma das maiores do mundo. Com uma população na casa dos três milhões de habitantes, entre 75% e 80% são de estrangeiros. É daí que surge uma das principais violações aos diretos humanos no país, a exploração da mão de obra. Uma das modalidades de trabalho por lá é a Kafala, um sistema que “patrocina” os trabalhadores que chegam no Catar para tentar ganhar a vida. Entretanto, essa modalidade permite que o empregador praticamente escravize quem ele contrata. Segundo organismos internacionais, boa parte dos funcionários ligados a construção civil estiveram no modelo de Kafala. Além disso, este é um território conhecido pela violência contra as mulheres e a comunidade LGBTQIA+, entre outras palavras, se houvesse um ranking do desrespeito a vida humana, o Catar estaria nas primeiras posições.


Tudo isso posto, eu vou até torcer para o Brasil ganhar a Copa, vou fazer questão de rir das derrotas argentinas, vou me emocionar com os jogos marcantes. Também devo relatar que já estive no Catar, que curti bastante a viagem e o país. Mas é fundamental entender que eu jamais deixarei de refletir sobre os reais motivos que levaram a FIFA a realizar uma Copa na Península Arábica, até pelo fato de que, historicamente, copas e olimpíadas têm servido como peça de marketing para ditadores, como na Copa de Putin em 2018 e nas Olimpíadas nazistas de 1936.



Por Thomaz Tommasi*

* Mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento Local

Pós-graduado em Diplomacia e Relações Internacionais




Imagem: Divulgação Fifa/EBC

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