Por Gabriel Cruz*
As notícias recentes dão conta de mais um período de violência na cidade. A razão já é conhecida: o tráfico de drogas. A Região 5, no município de Vila Velha, que engloba bairros como Terra Vermelha, Morada da Barra, São Conrado, Riviera da Barra, João Goulart, Ulisses Guimarães, entre outros, é palco de mais um conflito entre grupos rivais do comércio de entorpecentes. População sob toque de recolher, ônibus do Sistema Transcol não entra nos bairros, deixando as pessoas desassistidas, sendo obrigadas a andar por quilômetros, alterando assim toda a rotina dos moradores da região, impedindo-os de ir trabalhar, de ir à escola, à faculdade, à igreja ou de ir e vir a qualquer local, direito o qual é consagrado na Constituição.
O “x” da questão está na desigualdade social, mas sobre isso não dá também para ter uma conversa apaixonada somente dentro dos centros acadêmicos (embora eu me afilie com este tema e apoie integralmente o debate). É preciso chegar na base. Enquanto apenas criticamos a Lei que impede o carroceiro de trabalhar nas avenidas movimentadas de Vila Velha, com o pretexto de resguardar a sua integridade, nos desviamos da verdadeira intenção que é não atrapalhar o trânsito, em especial nas áreas nobres da cidade. Isso começa com o som das buzinas para que o carroceiro saia da rua, afinal o trânsito não foi feito para ele, mas sim para os carros (quanto mais novos ou mais altos, mais donos da rua são) e passa por vários aspectos, até mesmo o da destinação irregular do lixo. Passou desapercebida a bolha imobiliária criada na região dos três bairros famosos da Orla canela-verde, sendo que o Centro Pop da região é alvo constante de críticas porque traz insegurança aos moradores (ou será porque desvaloriza a região por ter “indesejáveis” morando também por ali?). Não estou tecendo crítica à construção civil, porque aquece a economia local, gera empregos, movimenta o fluxo de renda na cidade, mas quero provocar o questionamento se isso diminui o deficit habitacional e se o direito à moradia chega a todos.
A guerra que hoje assistimos na Região 5 também foi assim. Ela não nasceu em abril de 2023. É algo construído há muitos anos e foi negligenciado pela própria população. Não muito distante, nos carnavais dos anos 60, o lança-perfume, popularmente conhecido como “lança” ou “loló” não era proibido no Brasil, sendo amplamente utilizado. Hoje se restringe a alguns. A cocaína, que também chegou recentemente no Brasil, lá pelos anos 70, já foi mais reprimida. Mesmo assim é largamente utilizada (e digo mais, por ser uma droga cara quem mais usa são as classes mais abastadas). Não precisamos ir muito longe para lembrar que fumar cigarro era moda, ou melhor, era “massa”, como dizemos nós capixabas. Ainda há quem consuma exageradamente, e isso eu respeito, porque cada um sabe o que faz. Mas, aquele glamour todo dos idos dos anos 80/90 caiu, com a conscientização dos riscos, com a diminuição da propaganda do fumo, com a proibição de fazer fumaça em locais fechados, com a política antitabagista dos governos de lá para cá.
A droga não chega na favela de paraquedas ou por dutos embaixo da terra. Ela passa pelos olhos de muita gente. E chega na favela, porque lá o Estado falta. Falta em escolas, falta em saneamento, falta em ação social, falta em saúde. Se falta nisso tudo, o poder paralelo toma conta, e aí já sabem… Armamento para a proteção de quem comercializa, de quem guarda, de quem leva, de quem traz, armas essas que também não chegam lá por um drone. Às vezes tem sua numeração suprimida/raspada, ou seja, um dia foi regulado, já pertenceu a alguém que tinha registro. A criança ou adolescente que vende bala ou chiclete no sinal não nos choca, mas o adolescente que assalta um ônibus ou que vende drogas e consegue dinheiro mais fácil deve ser punido e ficar longe do convívio social. O estudo dele? Ele que resolva depois… O dependente químico pedindo algo para comer não nos choca, mas esse dependente invadir uma residência e levar algum objeto de valor para financiar o consumo de droga deve ser duramente reprimido e ir parar em algum CDP por aí.
Poderíamos falar sobre a questão da regulamentação das drogas e, por favor, não pensem que estou querendo “liberar geral”. Não caiam nesse papo raso e irresponsável promovido no momento em que se fala sobre a descriminalização, talvez por falta de conhecimento ou por má-fé mesmo. Falo sobre regular de fato: taxar, saber o perfil do consumidor, saber quem está vendendo, qual a quantidade que circula, da mesma forma que é feito com um antibiótico na farmácia, por exemplo. Enfim, isso é um assunto para outra oportunidade, daqui a um tempo, quem sabe… Por enquanto fica a reflexão. Quem são os senhores da guerra? A quem interessa todo esse movimento? Chega de debates simplistas e que só culpam governo X ou Y pelo caos gerado no país, ou que propõem meramente a punição a qualquer custo. Vamos discutir isso como deve ser discutido de fato, olhando pela ótica da saúde do dependente químico, da ausência de oportunidades para que o adolescente não seja arregimentado para o mundo do crime, da falta de políticas públicas e das condições mínimas para as pessoas viverem nas regiões mais pobres.
* Gabriel Cruz, Advogado, Servidor público licenciado.
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